quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Vida me Encarou no Olhar de Emanuel


É manhã de segunda feira, mais uma semana começando e a sensação de que a outra que passou escorregou pelos dedos. A cada dia aumenta a impressão de que não estou no mesmo compasso que a vida.

Fomos para a mesa do café e colocamos nosso filhote Emanuel (5 meses) sentado numa dessas cadeirinhas adaptadas para automóveis. Por alguma razão naquela manhã Emanuel acordou com o humor diferente do comum, ele estava sério e compenetrado parecia até um adulto pensando na vida e seus percalços.

Por um momento ficamos só nós dois na cozinha e de repente percebi que ele olhava sério pra mim, costumo interromper esses olhares com brincadeiras infantis falseando a voz pra tentar comunicar-me na sua linguagem, mas dessa vez não sei bem o porque resolvi fitar nele também e devolver a seriedade no olhar, ele não se intimidou, continuou me olhando só que seu olhar foi transformando-se num olhar mais sereno e tranqüilo acompanhado de um quase-rir e eu claro não consegui manter o mesmo, fui me derretendo diante daquele meigo e singelo olhar que me desarmou completamente. Foi quando pensei: enganasse quem pensa que o maior meio de comunicação são as palavras audíveis, há muito mais sons inteligíveis no silêncio de um olhar do que se pode imaginar.

A grande questão é; são raros os momentos que sem medo permitimos que alguém “ouça” e descubra quem somos só pelo ato de um olhar franco e verdadeiro. Penso que este raro fenômeno acontece em duas possibilidades: ou quando duas pessoas estão contaminadas pela febre da paixão que se confunde com amor intenso e eterno, ou quando as pessoas decidem optar por cultivar uma amizade desprovida de polodochias como diz meu amigo Déi.
Ana Carolina recita um poema extremamente interessante a este respeito. Cito abaixo:

“Te olho nos olhos e você reclama que te olho muito profundamente. Desculpa, tudo que vivi foi profundamente. Eu te ensinei quem sou e você foi me tirando os espaços entre os abraços, guarda-me apenas uma fresta. Eu que sempre fui livre, não importava o que os outros dissessem. Até onde posso ir para te resgatar? Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade de me inventar de novo. Desculpa se te olho profundamente, rente à pele, a ponto de ver seus ancestrais nos seus traços. A ponto de ver a estrada muito antes dos seus passos. Eu não vou separar as minhas vitórias dos meus fracassos! Eu não vou renunciar a mim; nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser vibrante, errante, sujo, livre, quente. Eu quero estar vivo e permanecer te olhando profundamente.”

A verdade é que acreditamos estar seguro não mostrando para as pessoas quem genuinamente somos, afinal de contas eu anseio ser amado e quem terá coragem de me amar se eu revelar quem de fato sou. Por isso eu prefiro arrumar uma mascara bem bonita para ir pro baile da vida me apresentar a você na esperança de que você me dê o seu amor que tanto preciso para matar a sede insaciável que não sei decifrar de onde veio. Mas o problema reside exatamente aqui, pois no fundo sei que quando sou amado o amor que está sendo devotado na verdade não é a mim, mas a minha mascara apresentável e assim eu saboto nossa relação, pois você nunca vai poder amar quem de fato sou pois tenho medo de me mostrar e ser abandonado.

Não é de se surpreender que muitos de nós estejamos doentes de alma e amargos da vida. É por isso que não conseguimos olhar por muito tempo nos olhos enquanto falamos ou ouvimos alguém, tememos que nossos olhos contradigam o que fala a nossa boca. Nesse caso ao invés de dizer que a boca fala do que está cheio o coração, seria mais sensato, os olhos falam do que está cheio o coração. Minha mãe costuma dizer que tem coisas que ela fala que nem dá tempo de passar pelo coração. (risos)

Quando lembro do olhar puro de Emanuel pra mim, penso no que disse o carpinteiro de Nazaré: “sejam como criancinhas”. Como criancinhas que nosso olhar, boca e coração falem a mesma coisa para que nossas relações tenham o potencial de ainda curar quem nos tornamos. 

Shalon!

5 comentários:

  1. Esta difícil comentar esse texto parceiro...rsrsrs
    O que percebo, é que, as pessoas estão escondendo seu verdadeiro eu, detrás de óculos escuros, lentes...deixando seu "ser integro", em densas trevas, negando a seus próximos o direito a conhece-las.
    Cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, A fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, E se convertam, E eu os cure.

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  2. Ano passado o tema de redação da UNEB tratou do livro do saudoso escritor portugês (Membro Nobel da Literatura), José Saramago: Ensaio sobre a cegueira.

    A obra transcreve um fenômeno contagiante para a ruína do ser humano. Saramago discursa sobre as atitudes dos personagens levando o leitor a percepção de valores que já não é valor para essa geração, responsável pela próxima.

    Os personagens são tomadas por uma cegueira inexplicável pela ciência, pelos teóricos...

    Mas o que de fato merece meu respeito em tal obra e no seu texto Léo, é que, cada personagem (aí me coloco como personagem também)da vida quando se encontram com dificuldades físicas,(segueiras)emocionais, financeiras e entre outras. Elas começam a entender os valores, que só são valores se valorizado por nós e gere benefício para o outro/coletivo.

    De fato Leozão estamos (sociedade) robotizando o ser do amanhã. Se contnuarmos assim, haverá lágrimas, abraços, afagos, amigos, perdão?

    Os homens criaram as maquinas baseado em mecanismo naturais (natureza e suas espécies), mas, devido o mar de cegueira em que a sociedade emerge, temo que amanhã sejamos "personificação das mesmas.

    Abração!!!

    QUE EMANUEL e EMANUEL CONTINUE A NOS USAR

    Luciano Neves

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  3. Pronto, Léo. Encontrei seu blog e estou gostando. Vamos ver os próximos passos dos caminhos e vamos tentar nos encontrar de modo mais objetivo. Um grande abraço.

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  4. Parabéns Léo. Você estava querendo receber elogios quando falou que estava receoso em escrever, né? Pois além de ter assuntos interessantes, escreve muito bem! Não chego à seus pés na escrita, caro amigo. Abraço e continue escrevendo, lendo, aprendendo. Adoro vocês três!!!!

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  5. Que lindo!!
    Perceber o essencial é mesmo encarar com os olhos, com a alma, com o coração... A vida é grande e complexa demais para caber no universo das palavras... os sentimentos, as sensações e o olhar dizem e percebem muito mais do que o falar...
    É isso mesmo Léo... A vida nos ensina em cada detalhe... e o olhar de Emanuel é mesmo uma grande aula!!

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