quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A culpa Ficou Solteira

O estado de pecado no homem não é um facto, senão apenas a interpretação de um facto, a saber: de um mal-estar fisiológico, considerado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguém «culpado» e «pecador», não prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos processos de bruxaria; naquela época os juízes mais humanos acreditavam que havia culpabilidade; as bruxas também acreditavam; contudo, a culpabilidade não existia.

Friedrich Nietzsche, in 'Genealogia da Moral'




É madrugada, a acústica do banheiro ecoa minhas culpas pelos oito cantos da minha consciência, nesse momento eu me pergunto: de onde vem esse monstro capaz de fazer com que momentos de rara beleza e intenso prazer se transformem em pesadelos sombrios? Quem alimenta essa fera, quem promove seu crescimento a ponto dele se tornar insuportável e aparentemente invencível?  Nesse momento, flashes e reflexos de pessoas queridas aparecem em lampejos na brancura do teto, cada uma com seu olhar, sorriso, manifestação de carinho, veneração, apreço e admiração que beira a idolatria; foi aí que eu percebi que aquilo que eu mais almejava cativar nas pessoas futuramente se tornaria exatamente o combustível dessa engrenagem chamada culpabilidade.

Que paradoxo, aquilo que deveria me alforriar de mim mesmo vem a ser justamente o que me aprisiona. Sim, pois se alguém diz me amar esse amor deveria me emancipar com coragem para aprender a bailar nos movimentos da vida com suas possibilidades diversas. Mas contraditoriamente o que acontece é que eu não consigo VIVER por medo de “decepcionar” quem a mim devota amor; descobri que esse receio que me arrebata na verdade não é de decepcionar, mas sim de não ser amado, de perder a ternura dessas pessoas. Mas que diabo de amor é esse que está o tempo todo sub judice equilibrado sobre essa tênue linha esticada pelo utilitarismo, seria amor ou o mais argucioso egocentrismo infantil? 

Ao perceber isso, notei que os reflexos dos humanos quase angelicais que me observavam se dissolveram em uma nuvem vermelha gotejando pingos de um delicioso vinho aromal, aparei com destreza todos eles no cálice transparente da minha solidão e bebi lenta e ininterruptamente; a sensação após ter libado essa relíquia foi inefável. Sinto não poder compartilhar do sabor, é que esse vinho é feito com fórmulas únicas e deve ser tomado exclusivamente pelos próprios donos. Prepare o seu!

Léo Dias 

3 comentários:

  1. esse tipo de amor é uma dádiva, requer disciplina e nada em troca.


    =)

    bjs meus

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  2. Um dia em um desses momentos que provei as profundezas da minha humanidade, percebi realmente que ser humano é gostoso demais. Um sentimento que atende por nome de culpa, veio até a mim, vestido de toda sua glória e resplendor, na tentativa de intimidar-me, acorrentar-me nas mais profundas cavernas da angustia que na minha concepção é o inferno. Este sentimento se impôs, usou toda sua audácia, furor, ele acreditava que me venceria assim tão fácil. Mas esse sentimento havia esquecido que eu estava vivendo o mais profundo ser da experiência humana, digamos que aquele era o momento do ápice, do orgasmo da humanidade, nada podia me deter, nada iria atrapalhar aquela experiência que era proveniente do êxtase. Logo disse ao sentimento de culpa: Não tenho medo de você, acuse-me, afronte-me, e verás o quanto sou humano, o quanto sou capaz de reconhecer que és um derrotado, não preciso mais de você para penitenciar-me, agora sou livre, posso voar, posso subir e descer montanhas quando bem quiser. Você não pode me deter, sou um ser humano e reconheço isso.

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  3. P*** meu Pastor!!! Eu poderia acrescentar seu comentário ao texto véi... vc é o cara!
    Tem sido um grande prazer compartilhar dessas experiências humanas pra vc e com você. Forte abraço!

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